EXPRESSO: O ARRISCADO IMPEDIMENTO DE TERCEIRIZAÇÃO DA GUARDA PORTUÁRIA
Por Cintia Yazigi e Marcelo d’Avila
Previsível, mas não aprovável, que uma nova norma não acompanhe o desenvolvimento legal incentivado pelo avanço temporal, notadamente quando a legislação se preocupou em favorecer condições mais eficazes de trabalho.
Nos termos do art. 17, §1º, inciso XV, da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, a organização da guarda portuária compete ao Porto Organizado conforme regulamentação do chamado Poder Concedente.
Notadamente a partir de 2017 com o evento da reforma trabalhista e direcionamento legal da terceirização na prestação de serviços, (Lei nº 13.467/2017 e nova redação dada ao art. 4º-A da Lei nº 6.019/1974), o mercado de trabalho obteve benefícios diversos, incluindo, mas não se limitando a redução de desemprego, possibilidade de direcionamento em atividades mais estratégicas, moderação de custos operacionais, captação de equipe especifica e treinada, além de capacitação de substituição imediata do profissional.
Entretanto, no mês de setembro, o direito do trabalho portuário, foi surpreendido com a publicação da Portaria 408, impedindo a terceirização da Guarda Portuária nos portos sob administração federal, inserindo novas condições antes previstas na citada Lei 12.815/13. Com prazo de cumprimento até 31 de dezembro de 2024, todos os guardas portuários deverão ser efetivos empregados das respectivas companhias, findando qualquer possibilidade de terceirização dos serviços prestados.
A Guarda Portuária tem a finalidade precípua de segurança e vigilância patrimonial dentro dos limites do Porto Organizado incluindo o canal de acesso.
A citada portaria definiu as atividades de segurança e vigilância e definiu que os Portos Organizados devem ter um núcleo responsável para planejar, gerenciar e executar esses serviços.
Ocorre que ao regulamentar os Portos sob Administração Federal, como citado, a referida norma vedou qualquer terceirização, definindo que as atividades de segurança e vigilância fossem feitas exclusivamente por guardas portuários de quadro próprio.
Inicialmente mister esclarecer que os portos organizados são geridos por uma Autoridade Portuária. As Autoridades Portuárias Federais são as chamadas Cias Docas[1]. As Cias Docas são organizadas na forma de empresas públicas regidas pela Lei 13.303/16, e possuem natureza jurídica de direito privado.
À título de exemplificação cite-se a Autoridade Portuária no Rio de Janeiro identificada como Cia Docas do Rio de Janeiro, onde possui quatro Portos Organizados: Rio de Janeiro, Itaguaí, Niterói e Angra dos Reis.
Esses Portos Organizados adotam o modelo de gestão portuária chamado de “landlord port”. Nesse sistema o “dono do terreno” do porto o arrenda, para entidades privadas exercerem a operação portuária, ficando a Autoridade Portuária incumbida de prover a infraestrutura, como luz e dragagem.
Portanto, para prover essa infraestrutura, a empresa púbica (cia Docas) necessita de recursos que são provenientes das tarifas portuárias pagas pelos arrendatários. Como são empresas públicas que não dependem de verba federal, todo o custo para sua manutenção, incluindo os salários dos empregados, também são oriundos dessas receitas.
Outro fator a ser analisado trata da existência de uma competição natural entre os portos, onde, o armador, ao trazer uma mercadoria para o Brasil, escolhe o porto que seja mais eficiente, e com a menor tarifa.
Nesse caso existiria uma nítida desproporcionalidade entre os portos que são obrigados a manter uma Guarda portuária própria em relação aos portos delegados que podem terceirizá-la.
Saliente-se que desde a publicação da Portaria 84/2021 as terceirizações dos guardas portuários poderiam ocorrer normalmente, entretanto descontentes com essa previsão, seus opositores, sustentaram veementemente que a garantia e a ordem da segurança pública deveriam reconhecer o poder de polícia dos guardas portuários.
Sob o ataque dos opositores de que a Portaria violaria os preceitos fundamentais da soberania nacional, separação dos poderes, reserva legal e segurança pública, em 20 de agosto de 2021 a Procuradora Federal Dra. Simone Salavatori Schnorr (NUP: 50000.021940/2021-43, ADPF Nº 870 – STF Informações 00102/2021/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU), apresentou uma diversidade de aspectos que descartavam o impedimento de terceirização dos serviços de segurança portuária, e ao que parece, foi absolutamente desprezado com a Publicação da nova Portaria.
Ademais, defendeu-se que “o fato de se tratar a atividade portuária de um serviço público não retira o caráter privado das funções de segurança e vigilância, que podem ser licitamente desempenhadas pelas guardas portuárias”, destacando nesta citação os termos contidos na Lei n° 7.102/1983 (art. 10, § 4º) que transfere para as empresas a capacitação com objeto econômico diverso.
No caso foi alertado que a vigilância patrimonial e segurança de pessoas nas dependências dos portos e instalações portuárias, não se trata de carreira do Estado, não havendo que se falar em típico policiamento. Releve-se que o “o poder de polícia” é exclusividade do Estado.
Entretanto, impedir a terceirização da guarda portuária, possivelmente provocará a indesejada redução de mercado de trabalho aos avulsos, a majoração de tarifas portuárias que decorrerão dos aumentos salarias adicionados de benefícios específicos da categoria (salário geralmente triplicados no caso de empregados em detrimento de terceirizados), e limitação na substituição imediata de profissionais que não mais condizem com a expectativa laboral., ocasionando possivelmente um desequilíbrio na operacionalização entre os Portos Federais e Delegados.
[1] Algumas delas como a CDRJ (Portos Rio) e CODESP (Santos Port Authority) mudaram de nome fantasia mas continuam com a razão social de Cia Docas
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