As relevâncias da nova Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados que trata da Política de Remuneração para determinados colaboradores.
Moldando-se à prática internacional, a nova Resolução nº 476 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) que entrará em vigor em 02 de Janeiro de 2026, portanto em 12 meses, estabelece regras, diretrizes, parâmetros e controles, tocante a remuneração de determinados colaboradores.
Dentre os relacionados, a norma refere-se aos que exercem cargos de administração, demais cargos não estatutários da alta administração incluindo no mínimo vice-presidente e diretores, gestores-chave em funções de controle incluindo no mínimo, os titulares das unidades de gestão e riscos, conformidade e Auditoria Interna e demais gestores cuja atuação possa, sob avaliação da entidade regulada, ter impacto efetivo sobre a exposição da supervisionada a riscos.
A Resolução é direcionada aos enquadrados nos segmentos S1, S2 e S3, sendo que as supervisionadas enquadradas no segmento S2, especificamente, terão prazo de até 4 de Janeiro de 2027 para se adequar a efetividade da gestão de capital e a observância do plano de contingência de capital, especialmente quanto aos níveis de controle nele estabelecidos.
Das intenções contributivas na nova política de remuneração, destacam-se a efetividade da gestão de riscos, gestão de capital, controles internos não se aplicando as enquadradas no setor S3, observância da política de sustentabilidade e institucional, geração de valor no longo prazo e da atração e retenção de profissionais qualificados e experientes.
A regra acrescenta relevâncias sobre as considerações essenciais para a prática de remuneração variável, com diretrizes valorizadas pelo desempenho traduzido nos níveis individuais, na unidade e na própria supervisionada como um todo e outros vertentes.
Dentre as abrangências apontadas, dois fatores deverão ser tratados com a extrema relevância e devida cautela, quais sejam, a criação de um plano de Incentivo de Longo Prazo – ILP e a constituição de um Comitê de Remuneração.
Quanto ao ILP, cuja parcela projeta-se para pagamento futuro com montante pré-definido e apuração anual, se respeitará a proporcionalidade do cargo.
Revela-se que ao menos 50% do ILP deverá ser pago em ações sendo que em se tratando de companhia de capital aberto, em instrumentos baseado em ações da supervisionada. Caso a supervisionada não tenha ações negociadas no mercado, o ILP poderá incluir pagamento em espécie com equivalência de ações ou instrumentos baseados em ações de controladora direta ou indireta da supervisionada.
A política do ILP adotada, deverá ser documentada com clareza constando a modalidade de remuneração, critérios e diretrizes específicos, desde que aprovado pelo Conselho de administração, ou Assembleia-Geral, reavaliado, no mínimo, a cada dois anos com a devida divulgação.
Quanto a necessidade de constituição de um Comitê de Remuneração, com requisitos precisos de criação, relevante elucidar que dentre as suas obrigações, competirá a elaboração, supervisão, implementação, avaliação e revisão da política de remuneração, devendo inclusive se propor valores remuneratórios.
Apenas as supervisionadas enquadradas no segmento S3, ficam dispensadas de constituir Comitê de Remuneração, entretanto nessa hipótese, a Diretoria quem deverá seguir com as mesmas obrigações direcionadas ao Comitê.
Outras exposições são elucidadas na norma em comento, e merecem serem avaliadas minuciosamente, de acordo com cada segmento e condições da respectiva supervisionada.
Embora elaborada e redigida no Brasil, referida norma inspirada no Insurance Core Principle 7 da International Association of Insurance Supervisors, que trata de uma associação voltada aos Supervisores de Seguros com atividade e repercussão internacional, poderá gerar consequências conflitantes no âmbito judicial trabalhista por aspectos diversos.
Embasar-se em diretrizes de cunho internacional é muito arriscado. Considerando que as concessões patronais trabalhistas no Brasil, por imposições legais e normativas, superam claramente os benefícios concedidos por muitos outros Países, seria inapropriada a recepção de mesmo tratamento dedicado em jurisdições tão distintas, com regras laborais bem específicas e divergentes. Sob este âmbito, qualquer variante com acréscimo remuneratório compulsório, afetaria desfavoravelmente o universo empresarial, que bem se sabe, já se submete a muitas estipulações nacionais e precisa constantemente se adaptar a novas ordens, que em sua maioria prejudicam a evolução de seu negócio.
Não bastasse a própria Norma Internacional, aparente inspiradora, entretanto bem mais completa, específica e detalhista, transmite, define e relaciona os efetivos deveres e condições na aplicabilidade da remuneração, ao contrário da Resolução, que em seu teor, carece de alicerce para muitas disposições impositivas citadas mas não esclarecidas.
Salienta-se que a Resolução dita a obrigatoriedade de composição desta modalidade de remuneração, notadamente ao iniciar o Art. 1º ao revelar “que as sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar – EAPCs, sociedades de capitalização e resseguradores locais deverão instituir” a política de remuneração. O verbo utilizado “deverão” que em nada se relaciona com uma opção ou faculdade, é o bastante para confirmar a obrigatoriedade. Também na Resolução não está clara a referência aos ditos critérios para pagamento, ajuste ao risco, diferimento e vesting. Exatamente qual seria o caminho para direcionar as condições desta modalidade de remuneração? O empregador sofre uma imposição mas não tem uma orientação objetiva de aplicação.
Em que pese a legalidade de criação de um Incentivo de Longo Prazo – ILP, que trata de uma das categorias de remuneração variável utilizada no Brasil, principalmente no segmento financeiro, e ser o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) um órgão que fixa normas e diretrizes para a política de seguros privados, discute-se se poderia ele impor a criação de uma categoria remuneratória mesmo quando o supervisionado discorde, obrigando-o a conceder no mínimo 50% de suas ações (dependendo de sua condição societária).
O poder diretivo do empregador, que até então tem a liberdade de optar pelas questões remuneratórias de seus empregados, obedecendo os limites constitucionais, legais e normativos, depara-se nesta situação, com a obrigatoriedade de uma Política Remuneratória sem possibilidade de decisão, pois além do ônus de criar um Plano de Incentivo, em determinadas situações constituída por um Comitê específico, em se tratando de companhia de capital aberto deverá também ceder suas próprias ações, e ainda que de capital aberto sem ações negociadas no mercado, deverá ceder ações, ou instrumentos baseados em ações, de controladora direta ou indireta da supervisionada. Sob este patamar indaga-se se a injunção não estaria detendo os direitos do empregador.
Ao ordenar a criação desta modalidade de remuneração nas condições apontadas, ao se determinar a concessão de ao menos 50% em ações para certos segmentos, e ditar diversos outros critérios nem tão claros, discute-se se alguns princípios constitucionais e legais seriam alvos de conflitos e admissão de violações ao princípio da legalidade (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei); ao princípio da autonomia de vontade (liberdade de contratar ou autonomia privada) e ao princípio da liberdade econômica (liberdade como garantia do exercício de atividades econômicas). Por tratar-se de uma imposição, e não uma opção, haveria de se buscar um fundamento legal plausível que sustente essa determinação, o que não parece estar assegurado.
Não bastasse, ainda que desqualificando as supostas violações constitucionais e legais, de suma relevância elucidar que caso seja reconhecido o caráter salarial do ILP, o que certamente abrangerá longas e intermináveis divergências jurisprudenciais, a mesma deverá consequentemente, integrar a remuneração do colaborador para todos os efeitos, na forma do artigo 457, § 1º, da CLT, com as temidas incidências trabalhistas, previdenciárias e fiscais. Nesse caso, o incentivo que produz contentamento ao colaborador poderá gerar uma frustração financeira ao seu empregador. E nem queira afirmar, que se trata de verba cuja natureza é indenizatória, pois bem se sabe que até os dias atuais, o stock option que possui a mesma raiz e origem variável, tem tido seu reconhecimento salarial em muitos julgados. Nesse caso, evidencia-se um custo e risco adicional ao empregador pelos encargos trabalhistas e previdenciários e ao próprio colaborador, pelos encargos tributários.
Comente-se ainda que pela condição contida na Resolução, assim como o supervisionado, o colaborador não terá a opção de querer adquirir ou não as ações, mas sim a imposição de recebê-la como forma remuneratória, produzindo uma suspeita de violação ao disposto no artigo 444 da CLT, que possibilita a livre estipulação das partes. Sob o aspecto remuneratório é essencial que as partes estejam em concordância. E certamente, se o colaborador se sentir insatisfeito pela ausência de oportunidade de negociação ou insatisfação pela aplicação de critérios que interprete como equivocados, será o empregador quem se prejudicará, notadamente por se submeter a uma imposição do CNSP, cujo embasamento legal é questionável.
Ademais, complemente-se que impor padrões para identificação dos gestores enquadrados, criando critérios e diretrizes para negociação de pagamentos e garantias de impedimento para que um colaborador exerça outra atividades remunerada, mesmo que por prazo determinado, gera a conotação de pagamento adicional pela contratação de exclusividade. Mas não seria um colaborador já exclusivo pela própria natureza contratual da relação laboral? Quando se trata de empregado, a exclusividade já é implícita e mesmo se assim não fosse, não há um embasamento lógico para que se remunere adicionalmente um empregado, para ele ser o que já é contratualmente, exclusivo!
Por fim, questiona-se: não seria uma remuneração de risco, visto que as ações podem sofrer reduções consideráveis e desvalorizar a constituição patrimonial do colaborador? Embora reconhecida como remuneração variável, por se tratar de ações de risco e não haver previsão legal trabalhista acerca das consequências de demandas em caso de prejuízo na aquisição de ações, os supervisionados sempre estarão submetidos a decisões judiciais individuais, abalando diretamente sua segurança jurídica. Mais um fator de risco empresarial.
Como demonstrado, as questões já estão aparentes e assim como a ponta de um iceberg, poderão trazer uma grande diversidade de polêmicas, desconformidades e conflitos legais e judicias. Não fosse a questão do “facultar” ou “poder”, ao invés do “dever”, uma boa parte deste trato estaria resolvido.
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