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setembro/2024 | Publicado por:

Julgamento do STF nas ADIs 7064 e 7047 e seu impacto no mercado de precatórios

Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de vários dispositivos das Emendas Constitucionais nº 113 e 114/2021 que alteraram o regime de pagamento de precatórios, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7064 e 7047, impactando diretamente o mercado de precatórios como se verá adiante.

Contexto das ADIs 7064 e 7047

As ADIs 7064 e 7047 questionaram a constitucionalidade de diversos dispositivos das EC nº 113 e 114 de 2021, que alteraram o regime de pagamentos de precatórios, que são títulos de dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça.

Um deles foi a declaração de inconstitucionalidade da expressão “com autoaplicabilidade para a União” contida no §11º do artigo 100 da Constituição Federal, que permitia a utilização de créditos líquidos e certos (precatórios) em várias situações.

Decisão do STF

Em 30 de novembro de 2023, o STF declarou inconstitucional a expressão “com autoaplicabilidade para a União” contida no §11º do artigo 100 da Constituição Federal, que foi dada pela EC nº 113/2021, pela qual se assegurava aos contribuintes oferecerem seus créditos de precatórios em algumas situações.

O texto constitucional passou a vigorar da seguinte forma:

“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

  • 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para: (…)”

As situações previstas no texto constitucional são:

– quitação ou amortização de débitos inscritos em Dívida Ativa

– compra de imóveis públicos de propriedade do ente federativo devedor

– pagamento de outorga de concessão

– participação societária do ente federativo devedor

– compra de direitos disponibilizados para cessão pelo ente federativo devedor

Com a referida decisão, a utilização de precatórios nessas situações passou a depender de lei que regulamente a matéria, não sendo mais automática, portanto, a oferta de precatórios para nenhuma das hipóteses elencadas no art. 100, § 11º da CF/88.

Utilização dos créditos de precatórios na compensação tributária

Antes da decisão do STF, o contribuinte, pessoa física ou jurídica, podia quitar dívidas fiscais suas com a União, ou amortizar parte dela, utilizando seu precatório como moeda, o que era bom, pois o contribuinte não precisava desembolsar recursos que muitas vezes não dispunha naquele momento, e a utilização do precatório se mostrou uma alternativa mais rápida e eficiente para quitar ou abater dívidas, já que não precisaria aguardar na fila de pagamento para receber o dinheiro, bastando oferecer o precatório.

Essa opção está disponibilizada no portal Regularize da PGFN onde, no momento da solicitação, é necessário anexar vários documentos exigidos pela Portaria da PGFN 10.826/2022, dentre eles, a Certidão de Valor Líquido Disponível – CVLD, documento emitido pelo Tribunal que expediu o precatório, que atesta e quantifica o valor líquido disponível de um precatório.

Mercado de precatórios

É prevista na Constituição Federal, em seu art. 100, §13º, a possibilidade do titular do precatório (aquele que tem dinheiro para receber) de transferir (ceder) mediante um preço, a outra pessoa, os créditos decorrentes do precatório, através da chamada cessão de crédito, normalmente feita por escritura pública.

Funciona como uma compra e venda. O interessado em adquirir o precatório oferece um valor com desconto (deságio) ao titular para recebimento antecipado do valor a que tem direito, sem precisar esperar por anos na fila até receber do ente devedor. De outro lado, o comprador do precatório assume o lugar do titular original na fila de pagamento, lucrando com a diferença entre o preço pago na aquisição do precatório e o montante recebido no futuro.

Normalmente quem compra precatórios são fundos de investimento, instituições financeiras ou mesmo pessoas físicas que buscam oportunidades de investimento.

Nessa esteira de ganhos, muitos se interessam em adquirir precatórios para utilizá-los nas quitações/amortizações de débitos fiscais inscritos em dívida ativa da União, como acima mencionado.

Impactos da Decisão do STF

Em 03 de junho de 2024, foi publicada a Resolução nº 894/24 do Conselho de Justiça Federal para alterar dispositivos da Resolução 822/23, que regulamenta os procedimentos relativos à expedição de precatórios, em especial, o art. 29, §15º que passou a vigorar da seguinte forma:

“Art. 29. A pedido do beneficiário, o tribunal expedirá Certidão do Valor Líquido Disponível para fins de Utilização do Crédito em Precatório – CVLD, de forma padronizada, contendo todos os dados necessários para a completa identificação do crédito, do precatório e de seu beneficiário, providenciando o bloqueio total do precatório no prazo de validade da CVLD, sem retirá-lo da ordem cronológica, efetuando-se o provisionamento dos valores requisitados, se atingido o momento de seu pagamento.

  • 15º- A eficácia deste artigo fica condicionada à promulgação da lei ordinária prevista no § 11 do art. 100 da Constituição Federal.”

Com isso, a Portaria PGFN 10.826/2022, que regulamenta os procedimentos para utilização de créditos de precatórios federais em quitação de débitos inscritos em dívida ativa da União, deixou de ter aplicabilidade por falta de lei específica, passou a ter eficácia limitada, dependendo de regulamentação que disciplinasse a matéria e comprometendo as transações envolvendo tais créditos.

Diante do afastamento da possibilidade de utilização dos créditos de precatórios para as hipóteses já mencionadas, durante alguns meses quase todos os Tribunais Regionais Federais suspenderam a emissão da CVLD uma vez que, após emitida, o precatório fica bloqueado para recebimento no período de validade da certidão (90 dias), além de impossibilitar que nesse mesmo período sejam feitas quaisquer alterações como registro de cessões, penhoras, habilitação de herdeiros, etc, o que poderia vir a prejudicar as partes.

Nesse período, o posicionamento da PGFN frente à decisão do STF não se mostrou uniforme. Algumas unidades informaram que o órgão avaliava a decisão do STF e por ora restava suspensa a utilização de precatório para pagamento da dívida ativa, inclusive transação tributária; em outras unidades, foi informado que até que sobreviesse nova Portaria Conjunta MF/AGU, suas unidades deveriam seguir admitindo o uso de precatórios em parcelamentos, transações ou para abatimento direto em inscrição na dívida ativa da União, nos casos em que estivessem presentes os requisitos normativos, conforme previsto na Portaria PGFN nº 10.826, de 2022, bastando a apresentação de CVLD validamente expedida pelo Poder Judiciário. E aí estava o problema.

A volta da CVLD e a Lei 13.988/20

A boa notícia é que, recentemente, os Tribunais Regionais Federais retomaram a expedição da CVLD, mas apenas para fins de compensação tributária, aquela prevista no inciso I, do §11º do art. 100 da CF/88, com fundamento na já existente Lei 13.988/20, que trata da possibilidade de negociação de dívidas fiscais com a Fazenda Pública utilizando precatórios, em especial o art. 11, inciso V.

Dessa forma, ao menos para fins de quitação ou amortização de débitos inscritos em dívida ativa da União está sendo aceito o pedido de emissão da CVLD nos Tribunais Regionais Federais com fundamento na existência de lei regulamentando a matéria, conforme exige a Constituição Federal.

Entretanto, para as demais hipóteses de utilização de precatórios, ainda não é possível emitir CVLD, já que depende de lei a ser promulgada.

É importante ressaltar que a orientação dos Tribunais Federais está sendo a de emitir CVLD para precatórios formalmente expedidos nos termos do §2º do art.46 da Resolução CJF nº 822/23, ou seja, para precatórios federais com pagamento proposto para o ano de 2025, não sendo possível ainda solicitar a CVLD para os precatórios federais com previsão de pagamento para 2026.

Impactos da Suspensão da Emissão da CVLD

Felizmente, para os casos de compensação tributária, o documento voltou a ser emitido pelos Tribunais Regionais Federais, mas para as demais hipóteses de compra de imóveis públicos, pagamento de outorga de concessão, participação societária do ente federativo e compra de direitos disponibilizados para cessão pelo ente federativo, a CVLD permanece suspensa até que sobrevenha lei regulamentando as matérias.

Enquanto a situação perdurar, a suspensão da emissão da CVLD pelos Tribunais gera:

  • Insegurança Jurídica: A suspensão pode criar incertezas sobre a legalidade e validade das transações de compra de imóveis públicos, por exemplo, dificultando negociações.
  • Desestímulo a Investimentos: A falta de regulamentação pode afastar investidores que buscam segurança nas transações, impactando o desenvolvimento econômico local.
  • Atrasos em Projetos Públicos: Projetos que dependem da aquisição de imóveis ou concessões podem ser atrasados, prejudicando a implementação de obras e serviços essenciais.
  • Perda de Receita para o Estado: A suspensão pode levar à diminuição da arrecadação de tributos relacionados a transações imobiliárias, afetando o financiamento de serviços públicos.

Considerações Finais

A decisão do STF nas ADIs 7064 e 7047 representa um marco na gestão de precatórios no Brasil. A espera pela edição de novas leis que tratem das situações nas quais é possível a utilização de créditos de precatórios traz desafios e incertezas no mercado de cessão de créditos, mas também abre espaço para uma regulamentação mais clara e eficiente no futuro.

As consequências advindas da suspensão da emissão da CVLD têm um efeito cumulativo e de longo prazo nas relações entre o Estado e os contribuintes, além de influenciar a confiança no sistema tributário e na justiça fiscal.

A situação deve ser acompanhada de perto no que tange à edição de lei que regulamente a utilização da CVLD ou até que sobrevenha orientação uniformizadora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ ou do Conselho da Justiça Federal – CJF, especialmente por contadores, advogados e empresários que precisam estar preparados para possíveis mudanças no cenário fiscal a impactar diretamente o mercado de precatórios.

 

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