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agosto/2024 | Publicado por:

Patrimônio e herança digital no Brasil

A ausência de legislação específica sobre herança digital traz dilemas acerca do respeito à privacidade do falecido versus o direito dos herdeiros de acessar essas informações e bens digitais. Esse cenário exige uma abordagem cuidadosa e sensível para equilibrar direitos legais, desejos pessoais e considerações morais. Para a Professora Patrícia Corrêa Sanches, em uma sociedade cada vez mais envolvida com a tecnologia e suas inesgotáveis potencialidades, são inúmeros os desafios enfrentados pelo Direito nas questões da herança digital, por isso a urgência de serem votados, no Congresso brasileiro, os projetos de lei sobre a temática.

Quais são os principais desafios legais e éticos relacionados à gestão do patrimônio digital de um ente querido falecido?

Os bens digitais patrimoniais são criações inerentes à era pós-moderna, nascem com a natureza digital e são passíveis de valoração econômica. O conceito de bens digitais, conforme a proposta da atualização do Código Civil, art. 1.791-A, é: “Os bens digitais do falecido, de valor economicamente apreciável, integram a sua herança”. No § 1º, define-se como bens digitais o patrimônio intangível do falecido, que abrange, dentre outros de titularidade do falecido: senhas, dados financeiros, perfis de redes sociais (com uso comercial), contas, arquivos de conversas, vídeos e fotos, pontuação em programas de recompensa ou incentivo e qualquer conteúdo de natureza econômica armazenado ou acumulado em ambiente virtual.

Um bom exemplo de como garantir a propriedade do bem digital vem da obra de arte criada por meio de aplicativos digitais. Como assegurar que a obra de arte

digital não seja copiada e disseminada na internet, perdendo o seu valor? Surgiram, então, os Non Fungible Token (NFTs – itens infungíveis), que são os ativos digitais registrados em uma blockchain, que os transforma em produtos únicos e genuínos. O token é um certificado digital de propriedade cuja autenticidade se pode ver e confirmar, mas não se consegue alterar, registrado em uma blockchain. Alguém pode ter a cópia, mas será apenas uma cópia – pois o original tem um registro próprio. Portanto, a possibilidade de transformar ativos digitais em NFTs foi uma solução para a garantia da propriedade, tornando-os únicos e negociáveis. Assim, o criptoativo é a representação digital de um valor atribuído, como unidade de conta e que pode ser expresso em moeda corrente para ser negociado e incorporado ao patrimônio ativo, como os bens transformados em NFT e as criptomoedas, como outro bom exemplo. As criptomoedas seguem as mesmas funções da moeda física, servindo como meio de troca para facilitar relações comerciais, no entanto, o valor de face da criptomoeda segue, normalmente, o valor referente ao volume de negociação – ou seja, variando momento a momento, como as ações negociadas em bolsa de valores, por exemplo. No tocante aos criptoativos, surgem desafios importantes na obtenção de informação quanto à existência desses ativos no momento do óbito de seu titular. As empresas que negociam esses ativos são denominadas “Exchange de criptoativos”, que são pessoas jurídicas que intermedeiam as negociações e podem ficar com os ativos sob sua custódia. A Receita Federal do Brasil emitiu a Instrução Normativa nº 1.888/2019 para determinar a obrigatoriedade dessas empresas sediadas no país de prestar informações à Secretaria da Receita. Nesse ponto, ajuda no momento da realização de uma pesquisa patrimonial em nome do falecido.

Muitas pessoas guardam seus criptoativos em carteiras virtuais – existem inúmeros aplicativos que exercem essa função, atuando como uma alternativa para não deixar os ativos nos “cofres” das “exchanges” – e aqui surge outro desafio diante da dificuldade de informação sobre onde essa carteira está alocada e qual seria a senha de acesso, pois são criptografadas e de conhecimento exclusivo do titular. Nesse caso, estamos diante de um patrimônio – que pode ser vasto, porém inacessível. Até mesmo as milhas aéreas têm seu lugar nas discussões sobre o patrimônio digital, a exemplo do REsp nº 1878651-SP, de relatoria do Ministro Moura Ribeiro, com entendimento de que as milhas adquiridas onerosamente pelo titular podem ser herdadas – diferentemente daquelas concedidas gratuitamente pelas companhias aéreas para privilegiar o passageiro frequente. Os perfis em redes sociais e os arquivos deixados na nuvem ou protegidos por senha também levantam árdua discussão, dada a preocupação em resguardar a privacidade e os elementos da personalidade da pessoa falecida – o que não passou despercebido pela comissão de juristas que elaborou a proposta de atualização do Código Civil.

O texto prevê que, “salvo expressa disposição de última vontade e preservado o sigilo das comunicações, as mensagens privadas do autor da herança difundidas ou armazenadas em ambiente virtual não podem ser acessadas por seus herdeiros” (art. 1.791-B).

Todavia, redes de perfis como o Instagram e YouTube inauguraram novos modelos de negócios. Nesse contexto, podemos entender como exercício profissional as atividades monetizadas nas redes e, assim, estariam livres das limitações do regime de bens? As milhas aéreas amealhadas nos cartões de crédito utilizados pela família entram na partilha? Bens digitais patrimoniais, bens digitais existenciais, em uma sociedade cada vez mais envolvida com a tecnologia e suas inesgotáveis potencialidades, são inúmeros os desafios enfrentados pelo Direito nas questões da herança digital. Daí a urgência de serem votados, no Congresso brasileiro, os projetos de lei sobre a temática.

Quais são as medidas de segurança que podem ser adotadas para proteger o patrimônio digital?

Na concepção da segurança de que o patrimônio será herdado, as informações de sua existência podem estar na eclaração de Imposto de Renda, quando se tratar de criptomoedas ou NFTs de valor – indicando onde estão alocados. Outro instrumento que tem sido utilizado, além do testamento, é a Diretiva Antecipada de Vontade (DAV), realizada por escritura pública no Cartório de Notas, onde se pode deixar escrito, por exemplo, sobre o que fazer com os perfis de redes sociais – se pretende que sejam cancelados ou transformados em memorial; se permite o acesso aos arquivos armazenados em nuvem, dentre outras disposições. Contudo, no tocante à segurança para evitar acesso indevido ou transferência lesiva, existem diversos recursos tecnológicos, como a estipulação de senhas fortes – com números, letras e caracteres especiais –, autenticação de dois fatores (2FA), que adiciona uma camada extra de segurança, atualização de software, estipulação de firewall e antivírus, estipulação de criptografia, realização de backups, dentre outros.

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